Ativismo corporativo: quando as empresas viram militantes

Por Renato Guimaraes, Jornalista, Especialista em processos de mobilização e participação social e Diretor de Engajamento do Greenpeace Brasil

 

Uma empresa pode ser ativista social? Em outras palavras, dá para uma companhia sair do seu quadrado de acumulação de capital para investir ativamente na mudança de paradigmas sociais?

Não estou falando aqui dos conceitos já ultrapassados de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade. Mesmo que no Brasil o “triple bottom line” não passe de conversa fiada para muitas empresas, o fato é que na prática incorporar o conceito de equilíbrio entre o financeiro, o ambiental e o social já virou meio que lugar comum.

Aqui estamos falando de algo mais profundo: que empresas se envolvam institucionalmente no debate sobre temas públicos, alguns altamente controversos, como equidade de gênero, racismo, homofobia. Isto em um contexto de sociedades extremamente polarizadas em diversos países.

Muitos críticos, à direita e à esquerda, caem da pau neste ativismo corporativismo, taxando-o como um deslocamento oportunista ou ingênuo do local de fala tradicionalmente atribuído às empresas. Com isto, elas estariam ou roubando o espaço típico de ONGs e movimentos sociais, ou submetendo suas marcas a riscos enormes, trazendo potencial prejuízo para os shareholders.

Eu, particularmente, dou muito boas-vindas ao ativismo corporativo. Desde que, claro, ajude a avançar pautas positivas da sociedade. Afinal, como qualquer ativismo, este pode também puxar pautas negativas, como vemos nos Estados Unidos com o apoio consistente das Indústrias Koch ao pior do conservadorismo americano.

Mas, pensando em casos positivos, vale destacar alguns exemplos já clássicos como o da Ben & Jerry, uma empresa de sorvetes que nasceu nos anos 70 a partir do DNA ativista de seus fundadores, os amigos de infância Ben Cohen e Jerry Greenfield. O ativismo político e ambiental veio como parte do DNA da marca, que cedia – e continua cedendo – espaço em suas lojas para ONGs e grupos comunitários se reunirem. A compra da B&J, em 2000, pela Unilever envolveu compromissos de que o aspecto ativista seria mantido e, de fato, a marca de sorvetes segue sendo, por exemplo,  uma das líderes da luta contra o aquecimento global no mundo corporativo.

A indústria de roupas outdoor Patagonia é outro exemplo de ativismo corporativo associado ao DNA da marca. Curiosamente, a empresa também nasceu nos anos de transição do hippismo para o ativismo politico dos anos 70 e desde aquela época defende o uso sustentável dos recursos naturais na indústria de vestuário. A empresa se apresenta publicamente como uma companhia ativista, registrando em seu site (em tradução livre): “Na Patagônia, a proteção e preservação do meio ambiente não é o que fazemos de extra. É a razão pela qual estamos no negócio e do trabalho de todos os dias.”

A Body Shop é mais uma empresa que nasceu com um DNA ativista (também nos anos 70!), de recusa a testes com animais e uso de elementos naturais em seus produtos. O aspecto de ativismo foi muito fortalecido nos anos 80, incluindo várias campanhas em conjunto com o Greenpeace. A marca foi comprada em 2006 pela gigante francesa de cosméticos L’Óreal mas ambas empresas nunca chegaram realmente a se fortalecer mutuamente.

A recente compra da Body Shop pela Natura junta duas marcas com uma identidade semelhante. Resta saber qual será o impacto para a gigante brasileira, cujo posicionamento de marca no campo da sustentabilidade parece não ser mais um diferencial tão significativo como antes. Será a Natura capaz (ou terá o interesse de) tornar-se uma empresa realmente ativista, incorporando o melhor do DNA da Body Shop?

Pode-se argumentar que Ben & Jerry, Patagonia e Body Shop já nasceram com esta pegada ativista. Mas como fica isso em empresas tradicionais? Temos um exemplo recente com a gigante Procter & Gamble, dona de marcas como Pumpers, Oral-B e Gillette, e que está corajosamente apoiando um debate público nos Estados Unidos sobre racismo e empoderamento da comunidade negra.

Com a campanha “My Black is Beautiful” a empresa busca estimular um debate público sobre os preconceitos e discriminações que atormentam o cotidiano dos afro-americanos. Um vídeo lançado recentemente no contexto da campanha, chamado “The Talk”, já foi assistido mais de 2 milhões de vezes e vem gerando muita polêmica, ao estimular que as famílias negras falem sobre – e tornem transparentes – os diversos tipos de preconceitos sofridos no dia-a-dia.

Alguns anos atrás a empresa já havia feito uma grande campanha ao redor do tema de equidade de gênero, tema que continua na pauta da empresa com o lançamento este ano, às vésperas do Dia Internacional da Mulher da campanha “We See Equal”.

O porta-voz da P&G explica a lógica por trás deste ativismo: “Fazemos isso porque acreditamos que falar sobre esses tópicos leva a uma maior compreensão e que isso resulta em mudanças. No cerne disso, acreditamos fortemente na equidade, de forma a termos um mundo que não só é bom para a sociedade, mas para os negócios”.

Particularmente não tenho dúvida de que uma empresa com o porte e capilaridade da P&G ao empurrar debates como estes, do racismo ou inequidade de gêneros, tem um impacto positivo na sociedade como um todo. O que, no médio prazo, ajuda a fortalecer a marca, apesar dos ataques que esta possa sofrer dos haters neste mundo polarizado em que vivemos.

Acho o mesmo para a Skol, quando resolve finalmente deixar para trás a propaganda baseada em mulheres gostosonas na praia e investir da diversidade dos consumidores.

As contradições existirão sempre. Assim como a tentação de capitalizar as ações de ativismo social apenas do ponto de vista de marketing. Mas acho o movimento extremamente positivo. Há, claro, um desafio interno dentro das corporações de formar profissionais capazes de lidar com esta nova dinâmica, de dialogar com a sociedade em termos que ultrapassam o mero posicionamento de marca ou de produto. Mas até aí vemos algumas inciativas interessantes, como a já citada Ben & Jerry quando abre espaço para um posto como o de “Gerente de Ativismo”.

Não tenho dúvida de que este movimento logo será seguindo por outras empresas, abrindo novas frentes no mercado de trabalho, novas reflexões e gerando novas polêmicas. Mas na média, a sociedade como um todo se beneficiará.

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